Por Dr. Francisco Sérgio C. Barros Leal.
... o tempo de reação é altamente influenciado pela genética, mas, segundo alguns estudiosos, pode ser melhorado em 10 a 20% ...
Ao tentar melhorar o tempo de reação a um estímulo ou golpe, a primeira resposta que naturalmente vem à cabeça do Karate-ka é simples: treinando, treinando mais e treinando sempre.
Apesar de sabermos que a velocidade e o tempo de resposta ou de reação são características predominantemente genéticas de uma pessoa, poderíamos obter algum ganho nesse sentido?
Vamos analisar a questão e identificar quais fatores poderiam ser explorados dentro dos preceitos da fisiologia médica, para tentar otimizá-los.
Apesar de nada substituir o treino constante e exaustivo para se obter qualquer tipo de progresso, treinar apenas nem sempre garante que o Karate-Ka irá treinar corretamente e obter os efeitos desejados, já que outros fatores não controláveis participam dessa resposta.
Na maioria das vezes o atleta que está treinando incorretamente, não tem essa percepção e acha que treinar mais irá melhorá-lo, quando, na realidade, isso fará como que ele apenas faça o errado mais depressa.
Como em tudo mais, primeiramente algumas definições:
Rapidez ou Velocidade: É definido como a razão entre a distância percorrida e o tempo gasto para percorrê-la. De modo mais simplificado, é a capacidade de realizar um movimento sem a necessidade de fazer um esforço extremo e sem a ajuda de fatores secundário. Quanto maior for essa capacidade, mais rápida é a pessoa, mas isso não garante que exista explosão nos movimentos. Aqui o fator genético é muito importante.
Para avaliar a rapidez, basta tentar ver, por exemplo, quantos socos ou chutes uma pessoa consegue dar em um determinado espaço de tempo.
Tempo de Reação: É um componente adicional à velocidade, que determina em quanto tempo uma pessoa é capaz de reagir a um estímulo externo, como desviar de um golpe ou percebê-lo e aplicar um golpe em Deai.
O tempo médio de reação de uma pessoa é de 0,2 - 0,3 segundos, mas um velocista de nível olímpico pode chegar a até 0,1 seg. em uma largada, enquanto alguém excessivamente lento apresenta um tempo de reação em torno de 0,4 seg. Parece ser pouca a diferença, mas não é.
Infelizmente, o tempo de reação é altamente influenciado pela genética, mas, segundo alguns estudiosos, pode ser melhorado em 10 a 20% e, normalmente, diminui com o avançar da idade (os jovens tipicamente são mais rápidos e reagem mais rápido que os velhos).
Do ponto de vista neurológico e de maneira extremamente simplificada, durante uma luta, a área visual no cérebro recebe as imagens do sistema visual, analisa e interpreta as informações através da área da visão, localizada no lobo occipital. Tal informação é instantaneamente compartilhada com outras áreas do cérebro que irão conjuntamente, em em uma fração de segundos, decidir qual iniciativa será tomada, ou seja, serão analisado dados sobre seu adversário, as condições do local do combate, etc. (quanto melhor treinado estiver o atleta, mais rápido isso ocorrerá).
Isso é feito com intercâmbio instantâneo de informações entre áreas adjacentes do cérebro, como o lobo frontal (permite reconhecer a consequência de seus atos, discernir entre o certo e o errado e a decisão de agir (ou volição, situada no córtex pré-frontal) e a área motora; lobo parietal (visão espacial e noção da relação das partes do corpo entre si); lobo temporal (basicamente linguagem); cerebelo (controle motor, responsável pela precisão do golpe em relação ao alvo, "Sundome", equilíbrio e coordenação).
Portanto, uma vez avaliada a situação através da visão, são analisadas as opções e consequências pelo lobo frontal e tomada a decisão de agir pelo lobo pré-frontal, o movimento será executado pela área motora (parietal) com ajuda do cerebelo que fornecerá equilíbrio e ajuste fino e harmônico dos movimentos e esse impulso nervoso será transmitido através da medula espinhal até os músculos efetores responsáveis pela execução do golpe.
Em um estudo realizado com velocistas, foram avaliados fatores como a altura, pressão psicológica, intensidade dos treinamento, idade e sexo e chegaram as seguintes conclusões: (1) atletas mais altos possuem maior tempo de reação porque o estimulo nervoso precisa viajar uma distância maior até chegar do cérebro ao músculo; (2) quanto maior a pressão psicológica e importância da disputa, menor o tempo de reação (provavelmente devido à liberação em grandes quantidades como a adrenalina e o cortisol); (3) o tempo de reação melhora com o treinamento, em parte talvez por uma melhor preparação tática e em contrapartida, piora a medida que vai envelhecendo; (4) os homens geralmente apresentam um tempo de resposta melhor que as mulheres (centésimos de segundos) provavelmente decorrente de uma maior massa muscular.
Entre os fatores que podem influenciar o tempo de reação estão a idade, sexo, estágio de aprendizagem, fatores psicológicos, nível de preparo físico, quantidade de possíveis respostas (opções), tempo disponível, a intensidade do estímulo, saúde geral do atleta, temperatura (mais frio = mais lento), personalidade, nível de alerta, o comprimento da via nervosa a ser percorrido pelo estímulo nervoso (indivíduos mais altos = mais longa a transmissão nervosa e mais demorada a resposta), possibilidade de antecipação do golpe.
No caso específico do Karate, habilidades particulares podem ser adquiridas com o treinamento contínuo possibilitando melhorar esse tempo de reação, como o "Yomi" (capacidade de "ler a mente" do seu adversário e antever seu golpe através da observação de suas expressões, respiração, atitude corporal, etc.) e reagir mais rapidamente ou até mesmo antes de seu adversário (para nossa sorte, isso não é genético, é treino dependente).
Teoricamente falando, os passos necessários para se melhorar o tempo de reação no Karate seriam basicamente os seguintes:
- Detecção de indícios do início do estímulo ao invés do estímulo propriamente dito;
- Detecção de sinais relevantes (como respiração ou atitude corporal do adversário);
- Manter a atenção em foco;
- Controle da ansiedade;
- "Psyching up" ou conseguir estabelecer a atitude mental adequada para a situação;
- "Warm up" ou estar com corpo aquecido e pronto para garantir que seus órgãos sensoriais e sistema nervoso estejam prontos para transmitir a informação imediatamente dos nervos aos músculos;
- Decidir quando agir;
- Tentar a antecipação.
Em resumo, o Karate-Ka deve se esforçar para desenvolver uma "segunda natureza", mais adequada e eficaz, que lhe permita agir de maneira quase automática e instintiva, sem ocupar sua mente com pensamentos desnecessários. Isso explica porque alguns grandes mestres possuem tempos de resposta tão curtos, mesmo com passar do tempo e a medida que vão ficando mais velhos.
O Dr. Francisco Sérgio C. Barros Leal é Médico Neurocirurgião, Mestre em Neurocirurgia pela Universidade Federal de São Paulo, Médico Assistente do Hospital Regional do Vale do Paraíba e do Hospital São Lucas de Taubaté.
Iniciou Karatê Shotokan em 1978 e é Faixa Preta Sandan pela FPKT e JKA.